A Meditação e o maravilhamento com a vida

Uma das raízes do sofrimento humano, na visão da filosofia budista, está no que Buddha chamou de duḥkha, que pode ser traduzido como insatisfação. Isto se aplica hoje, da mesma forma que há 2.500 anos atrás. Hoje vivemos cada vez mais em busca de recompensas rápidas, quando conquistamos aquilo que desejávamos, depois de um tempo já desejamos outras coisas, nunca é suficiente. Mas essa sensação de insatisfação tem um antídoto: ampliarmos a visão e o coração para colhermos o que temos de bom aqui e agora. Pois é somente neste instante presente que podemos perceber que a vida em toda a sua magnificência se manifesta, não só nas belezas naturais, mas também através de nós mesmos e de nosso próprio olhar.

Essa amplidão da visão e do coração é o que podemos chamar de maravilhamento. O estado de maravilhamento com a vida parece requisitar, inicialmente, uma postura interior contemplativa, que por sua vez acontece quando há um encontro integral e silencioso com o momento presente.

A melhor forma de adentrar esse estado de maravilhamento é a Meditação. Quando meditamos acontece algo como uma renovação de nossos sentidos, percepções e perspectivas. Meditar é, de certa forma, renovar nosso olhar, ressignificando a forma usual com a qual vemos as coisas, seja interiormente ou exteriormente.

Não é o caso aqui de olharmos as coisas com um óculos cor de rosa ou de vivermos no mundo da lua, afastados do mundo e de nossos problemas e dificuldades. Meditar é, na verdade, buscar ver as coisas como elas são, deixando para trás preconceitos e crenças que nos estagnam em nossa jornada existencial.

Assim, ao meditarmos podemos voltar nossa atenção para a vida como ela acontece nesse momento e contemplar o que acontece agora, como a nossa respiração, os batimentos do coração, as sensações variadas que surgem pelo corpo, os sons externos, ou mesmo os nossos pensamentos que surgem e passam.


Muitos perceberão que após uma sessão de Meditação, ficamos mais contemplativos, como se estivéssemos com novos olhos. É a partir desse sentimento que muitos poetas e filósofos ilustraram, por meio de suas palavras, esse maravilhamento com a vida. Como o renomado poeta o japonês Matsuo Bashō neste seu belo Hai Kai, o formato breve da poesia japonesa:

“A cada brisa
A borboleta muda de lugar
Sobre o salgueiro.”
(TEIXEIRA, 2015, p. 53)

Vemos essa contemplação meditativa em nossa maior poeta, Cecília Meireles, em seu cântico XX, que a leva a se perceber enquanto parte da Totalidade da vida:

“Não busques para lá.
O que é, és tu.
Está em ti.
Em tudo.
A gota esteve na nuvem.
Na seiva.
No sangue.
Na terra.
E no rio que se abriu no mar.
E no mar que se coalhou em mundo.
Tu tiveste um destino assim.
Faze-te à imagem do mar.
Dá-te à sede das praias
Dá-te à boca azul do céu
Mas foge de novo à terra.
Mas não toques nas estrelas.
Volve de novo a ti.
Retoma-te.”
(MEIRELES, 2017, v. 1, p. 151)

O ilustre escritor alemão Goethe dizia que “o mais elevado que o ser humano pode alcançar é o maravilhar-se.” De fato, a vida pode se perder em mil e uma atividades de nossa rotina e os dias podem passar aos montes, sem que nos lembremos de contemplar e nos maravilhar. Por isso, talvez seja importante criarmos o hábito da Meditação em nosso dia a dia. Essa prática diária, ainda que seja breve, nos ajuda a sempre retomar nossa relação mais profunda com a vida.

Este “maravilhamento”, que inspira poetas a escreverem, é o mesmo que está na raiz da própria reflexão filosófica, como belamente descreve o filósofo prussiano Emmanuel Kant:

“O céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim enchem minha mente de admiração e assombro sempre novos e crescentes, quanto mais e mais constantemente refletimos sobre eles.” (KANT, 2003, p. 255)

O conceito de “maravilhamento” pode ser encontrado no berço da filosofia grega. Em grego thaumazein (θαυμάζειν), traduzido como maravilhamento, espanto ou admiração, é um vocábulo que, em seu contexto original, aponta para um sentimento de perplexidade ou assombro. Tal perplexidade ocorre, por exemplo, diante de um momento em que o mesmo mundo, que vemos sempre da mesma maneira, nos aparece repentinamente de forma diferente. Esse assombro contemplativo pode nos servir como um impulso para o filosofar, como Aristóteles descreve na clássica passagem: “De fato, os seres humanos começaram a filosofar, agora como na origem, por causa da admiração” (ARISTÓTELES, 2002, p. 11, 982b).

Na tradição ocidental esta perplexidade foi anteriormente expressa por Sócrates, tal como retratado por Platão em seu diálogo Teeteto: “Pois este sentimento de maravilhamento demonstra que tu és um filósofo, pois o maravilhamento é o único início da filosofia.” (PLATÃO, 1921, 155d, v. 6, p. 55, tradução nossa). Para estes filósofos gregos, tal atitude de espanto perante algo aparentemente desconhecido nos impele a uma revisão do que pensamos saber e nos motiva, em última instância, a nos libertar de nossa própria ignorância.

Semelhantemente, há um conceito sânscrito indiano que pode ser visto como um correlato do grego thaumazein, a palavra āścarya, que também significa “maravilhamento” ou “admiração”. O que buscamos destacar aqui é que este maravilhamento, enquanto um princípio do filosofar, se apresenta semelhantemente nos percursos das filosofias orientais e na poiesis de grandes poetas como Cecília Meireles.

O que todos estes filósofos e poetas tinham em comum? Todos eles de alguma forma exerciam uma atitude contemplativa. Sabe-se que Sócrates passava horas a contemplar o horizonte e que Cecília Meireles, de fato, praticava Yoga e Meditação. Estas grandes figuras da humanidade podem nos inspirar com seus escritos, mas mais importante ainda é que busquemos experienciar essa atitude contemplativa.

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Marcus Fonseca


Referências:
ARISTÓTELES. Metafísica, v. I. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

GOMES, Marcus V. F. A “verdade silenciosa dentro de ti”: Um diálogo entre a obra Cânticos de Cecília Meireles e as Grandes Sentenças (mahāvākyas) dos Upaniads. Dissertação (Mestrado) UFJF, 2024.
KANT, I. Crítica da razão prática. Tradução Valério Rohden. Ed. Bilingue. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
MEIRELES, Cecília. Poesia completa. São Paulo: Global, 2017.
PLATÃO. Theaetetus. Loeb Classical Library. Trad. Harold North Fowler Harvard University Press, 1921.
TEIXEIRA, Faustino. “O haikai e a revelação do instante.” In: Interações – Cultura e Comunidade, Belo Horizonte, V.10, N.17, P. 48-­61, Jan./Jun. 2015.

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